quinta-feira, novembro 23, 2006

Nós e os outros...

Hoje estava sentada no comboio, no regresso a casa de uma manhã pouco típica, tinha ido levar a vacina da febre tifóide.
O Sudoku que desde ontem se tem revelado de difícil resolução, a fome que começava a manifestar-se, a perda do comboio anterior por apenas 4 minutos, a mudança de planos para a tarde por ter de ir a casa pôr a outra vacina no frigorífico... Mais um dia é adiada a piscina e a ajuda aos Leigos... Talvez amanhã os Leigos, a natação ficará para a semana, adiada pela terceira semana consecutiva!
O comboio, o soduku, a fome e uma paragem mais longa que o habitual. A estação era Massamá, apenas a quatro estações de casa... Uma voz dentro do comboio avisa que devido a um acidente, a circulação está a decorrer com alguns problemas. Não dizem mais nada! Passa um passageiro e diz que alguém se atirou para a linha do comboio no Cacem e que “Está morto!”. Comentários, zunzuns, suposições,...Outra voz, agora da estação de comboios, que avisa que “a circulação de comboios encontra-se suspensa, assim que houver mais informações comunicaremos.”
Dentro e fora do comboio aumentam as opiniões, insurgem-se os afectados pela espera que não se sabe quando terminará, traçam-se eventuais soluções e critica-se a CP por não ter um plano para estas situações, “seria muito difícil ter um acordo com empresas de autocarros para o transporte de passageiros nestas situações? É tudo uma questão de dinheiro? Então e o serviço que pagamos?”
Ontem, oito e vinte, o comboio, ao contrário do normal, está parado na linha. Está apinhado de gente, ainda mais que o nos outros dias, e não há sinal de começar a andar. Penso no porquê, quando uma voz me informa que houve um acidente no Cacem... Dois comboios parados na estação das Mercês, quantos estarão nas outras estações? A circulação está interrompida nos dois sentidos e não percebo à quanto tempo. Uma aula que tenho de dar às nove horas em Benfica, última aula de uma curso de Informática e eu não sei quando o comboio vai começar a andar. A circulação está suspensa e não há informações de quando deixará de estar...
Dois acidentes... Pessoas feridas ou mortas... Suicídio, homicídio, falta de cuidado a atravessar as linhas ou falta de sinalização numa estação em obras há muito?
Pessoas atrasadas para o trabalho, para a escola, para uma entrevista de emprego ou uma consulta médica. Pessoas num regresso a casa à hora do almoço, com fome, com um almoço para preparar ou com compromissos a que não podem faltar nem tão pouco se atrasar.
Quarenta minutos depois o comboio começa a andar... Para uns tratam-se de uns minutos que pouco importam, para outros são minutos preciosos de um dia ocupado ao máximo!
Hoje, no comboio parado à apenas uns minutos, dou comigo a olhar para o relógio, a pensar quanto tempo irá demorar, no comboio anterior que perdi e que se calhar circulou sem sobressaltos... Sobressaltos... Sou acordada por uma voz interior que me fala de uma pessoa ferida ou morta...
Sobressaltos?! Ali estava eu a pensar apenas em mim, no meu desejo de chegar a casa, pôr a vacina no frigorífico e comer! E entretanto, no Cacem, a não mais de duas estações, alguém estava deitado sob os carris frios, ferido ou morto...
Não me considero uma pessoa egoísta que apenas se preocupa com o seu bem pessoal e que não se interessa pelo outro, muito pelo contrário. E no entanto, ali estava eu, longe da realidade e apenas preocupada com a mudança que isso implicaria no mundinho pequenino do eu! Pensamentos que tive e que me envergonharam perante mim... Comentários que ouvi e que preferia não ter ouvido, pois mostraram-me outros mundinhos, desses que comportam pouco mais que a dimensão pessoal.
Algum tempo depois, quando o comboio começou a andar, quando passámos pelo local do acidente e entraram no comboio testemunhas oculares, ouvi o que parecia não encaixar no que antes tinha sido proferido pelas mesmas pessoas “Coitadinha da Senhora, estava a pedir comida e ninguém lhe dava, então ficou no meio da linha à espera do comboio.”, “Cá, muitas famílias desprezam os idosos e não os ajudam, na minha terra não é assim”, “Devia estar desesperada, e agora sem duas pernas ainda se vai sentir pior...”, “E o comboio, não conseguiu parar?”.
Pessoas centradas em si... Egoístas ou apenas com um sentido de auto-protecção bastante forte? Se todos estivéssemos no Cacem, se pudéssemos ajudar de alguma forma no acidente, quantos de nós teriam ficado, mesmo atrasando-se?!...
Nunca o saberei... Mas preocupa-me esta azáfama a que nos submetemos e que talvez por vezes nos faça esquecer de quem somos verdadeiramente...

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