sábado, abril 08, 2006

Uma brecha de uma janela mal fechada...

Todos os dias entram em nossa casa amigos, conhecidos e desconhecidos, uns convidados, outros inesperados. A cada um é confiado um cartão de identificação que lhe permite aceder apenas a determinadas zonas.
Pela porta de entrada, entra-se numa grande sala, cheia de cor e de luz. Ouve-se uma melodia alegre, vinda de um gramofone discretamente instalado a um canto. Sente-se o cheiro suave das flores colhidas pela manhã e o aroma de um chá que espera por ser servido em malgas de barro. Ao olhar em volta, descobrem-se objectos curiosos vindos de vários cantos do mundo. Uma taça de barro, um pormenor do fresco da "Criação do Homem", duas velas laranjas num cadelabro, uma estatueta de pau preto, alguns objectos religiosos, um komboloi, uma taça com água, uma caixa de madeira, um coco pintado, algumas pedras e conchas e uma taça com areia preta. Recordações de viagens e de momentos eternizados...
A outro canto, veêm-se alguns livros, arrumados uns, desarrumados os mais recentes que esperam a sua vez de serem devorados, lidos por olhos sedentos de novas cores e 'vividos' por um coração habituado a sonhar a cada virar de página.
Numa caixa, colocada em cima de uma estante, estão guardados momentos que a lente fotográfica registou com cuidado - as mais singulares, emolduradas, encontram-se espalhadas pelos vários móveis da sala.
Dessa sala, podem-se abrir várias portas, dependendo do cartão de identificação que se possuí. Alguns entram em novas salas, com cores e perfumes bastante diferentes, outros ficam na sala principal e entreteêm-se com a variedade oferecida, sem sequer perceber que são superficiais as coisas que aí podem alcançar!...
De todas as chaves concedidas, nenhuma chega ao quarto, reservado ao proprietário da casa... Mundo de sonhos irreveláveis e de fantasias irrealizáveis. Só nessa divisão se vive o profundo e intímo contacto com a alegria e com a dor dos momentos que não se partilham...
As chaves são entregues a cada pessoa com base na confiança ou simplesmente na oportunidade dos momentos...
Por vezes, pela brecha de uma janela mal fechada, uma leve corrente de ar expõe, a um par de olhos atentos, salas de acesso reservado... É chegada então a hora de escolher: conceder uma chave aos novos visitantes ou afastá-los, tapando-lhes os olhos e fechando a brecha.
Conceder uma chave pode ser mais libertador que afastar um visitante interessado... É verdade que a partilha expõe-nos e que, expostos à nova luz, sentimos uma nudez constrangedora... Mas é também verdade que, através da porta aberta, o cheiro a mofo, deixado pelo longo inverno, pode finalmente desaparecer... Com a porta escancarada, os raios de sol podem penetrar finalmente e mostrar-nos que a falta de luz não é uma propriedade inerente das coisas, mas uma consequência de serem fechadas numa pequena sala.

Aproveitar a brecha ou fechá-la?... Revelar ou calar?... Libertar ou sufocar?...